Você consegue imaginar como é difícil para uma pessoa receber um diagnóstico de câncer? E se for direcionado a um jovem de 14 anos? Para piorar, e se a notícia chegar com uma sentença de morte? Foi o que aconteceu com Hugo Martins de Oliveira.
Um adolescente que levava uma vida normal, no interior do Paraná. Estudava, fazia as suas estripulias e tinha muitos sonhos. “Ninguém espera que um menino de 14 anos, que joga bola; anda de bicicleta; participa das rotinas habituais do colégio, seja diagnosticado com câncer. Aquilo me deu consciência de como viver e eu passei a valorizar o meu presente”, cita.
Naquela idade, Hugo também começava a “paquerar”, e foi justamente uma menina com quem ele trocava olhares que percebeu algo diferente em sua face. “Ela identificou que o meu rosto estava um pouco inchado, mostrou que algo estava diferente no meu corpo. Aquilo me deixou reflexivo. Levei o assunto aos meus pais que ficaram preocupados e buscaram o atendimento médico para me avaliar”, conta.
Sentença
Após sete consultas constatou-se que o jovem possuía uma infecção que ele passou a tratar com antibiótico e antiinflamatório, mas que não davam os resultados esperados. Devido a isso, ele passou por uma biópsia, exame que consiste na retirada de um pequeno nódulo suspeito, em qualquer parte do corpo, para realizar uma análise laboratorial. Após avaliação, veio o laudo: Hugo estava com câncer.
“Neste momento a minha vida ia mudar. O médico que me passou o diagnóstico e falou algo que me impactou muito mais: que eu morreria em três meses. A palavra morte me trouxe muito mais medo que o câncer. Foi um impacto que mudou a minha rota”, fala Hugo, que havia perdido a avó há nove dias, vítima de um tipo de câncer: a leucemia.
A morte dá lugar à esperança
É claro que os pais do adolescente também foram impactados e, a partir daí, começou uma corrida contra o relógio para salvar a vida de Hugo.
“Meus pais tiveram um impacto tão grande que não quiseram acreditar nas palavras do médico. Voltamos para a nossa cidade, Astorga, e o meu pai perguntou para o médico onde seria o melhor lugar que ele poderia lutar pela vida de um filho. Ele nos falou sobre o Hospital Pequeno Príncipe, que seria o melhor do Paraná. Não tinha promessa de cura, nem de vida, mas sim o medo das palavras: morte, câncer e três meses”, diz.
“Meus pais tiveram um impacto tão grande que não quiseram acreditar nas palavras do médico”
“Na instituição me trataram como ser humano, não olhando para a doença e, a partir de então, a palavra morte deu lugar à esperança. Se o meu pai não tivesse a coragem de confrontar uma autoridade médica que havia decretado a minha morte, talvez eu não estivesse aqui hoje, mas o amor move montanhas. É preciso olhar as pessoas como seres humanos e não entregar as notícias da maneira que você enxerga. Se permita estar presente na vida de alguém da melhor forma, porque você pode marcar uma história de maneira positiva”, acrescenta.
A cura veio após seis meses de tratamento e com ela, a transformação: ele passou a acreditar muito mais nele mesmo, nos seus sonhos e no que é capaz.
Entre aqueles sonhos de adolescente, estava a vontade de ser jogador de futebol profissional, sendo, inclusive, convidado para fazer teste no time do Londrina. De malas prontas, ele recebeu um “não” dos pais. “Eles me disseram que não era uma boa opção e que sabiam o motivo pelo qual eu havia nascido e onde eu deveria estar e que a área da saúde e o cuidado do ser humano seria um bom caminho”, recorda.
“Eles me disseram que não era uma boa opção e que sabiam o motivo pelo qual eu havia nascido e onde eu deveria estar e que a área da saúde e o cuidado do ser humano seria um bom caminho”
O amor pelo setor da saúde aflorou e aumentava em cada uma das consultas que ele fazia após a cirurgia. “Eu perguntava várias coisas à médica sobre a profissão dela e aquilo mexia comigo porque eu visitava a ala onde eu fazia a quimioterapia e via olhar de esperança em mim de muitos pais e adolescentes. Passei a me dedicar aos estudos para me capacitar e chegar onde eu queria”, ressalta.
A vida é feita de desafios
Hugo definiu: ia cursar Medicina. Mas esta opção também colocou obstáculos na sua frente. “Tive uma surpresa quando fazia o cursinho pré-vestibular: uma nova suspeita de câncer. Um nódulo nasceu na minha virilha, tive que fazer uma cirurgia e interrompi os estudos para cuidar da minha saúde. Foram dois meses sem frequentar a sala de aula”, relata.
Hugo retornou aos estudos no último dia do vestibular da Associação Catarinense das Fundações Educacionais (Acafe). Era preciso correr para não perder a oportunidade. Um dos requisitos que ele e os amigos estipularam para a escolha da Instituição onde iriam estudar foi que fosse perto da praia, o que, na época, fez a Unesc entrar no radar. “Todos fizeram a inscrição e, dos dezoito, eu fui o único que passou. Eu não sabia onde ficava Criciúma. A grande surpresa é que por mais que queiramos estar junto das pessoas, a nossa caminhada é individual, então em 2006 eu cheguei em Criciúma de ônibus”, revela.
“Filho, eu confio em você”
De família humilde, filho de um serralheiro e uma professora pública, o hoje médico Oncologista Pediátrico não esconde a emoção e as lágrimas ao lembrar daquele período que marcou o início de sua jornada acadêmica.
“Sempre nutrimos a nossa verdade e buscamos fazer a diferença, mostrar que somos capazes. Eu não tinha mala para vir, queria ter roupas elegantes, mas coloquei o que eu tinha na bagagem e tive as despedidas mais doloridas. Não possuímos um carro que comportasse quatro pessoas, era uma Saveiro que meu pai usava para trabalhar, então a minha mãe não conseguiu me levar na rodoviária com o meu pai, mas ela colocou na bagagem as palavras que fizeram a diferença: ‘vai que eu acredito em você’. Na rodoviária, a despedida do meu irmão que declarou palavras que foram combustível para mim: ‘vai. você é capaz’. Segui de ônibus com o meu pai até Criciúma, visitamos a Unesc e criei a convicção que ela era o meu lugar. Dias antes de iniciar as aulas, me despedi do meu pai que também deixou palavras que fazem a diferença: ‘filho, eu confio em você’”, recorda.
“Segui de ônibus com o meu pai até Criciúma, visitamos a Unesc e criei a convicção que ela era o meu lugar”
Hugo se formou em Medicina, se especializou em Oncologia Pediátrica e criou raízes e família em Criciúma: casou-se com Sarah Cascaes Alves de Oliveira com quem tem dois filhos. “O topo do mundo não é celebrar algo sozinho. O topo do mundo é poder dividir a vida. Me sinto privilegiado em estar perto dos pequenos pacientes que entregam, da forma mais amorosa, o que eles têm. A minha história é muito semelhante à dos pacientes da oncologia. A doença pode destruir uma família, às vezes tem a cura, mas quando se volta para casa, não há mais um lar, mas só a casa, uma estrutura física. Que a doença não signifique tudo, mas que a vida seja tudo o que deve ser valorizado”, afirma.
Orgulho
A reitora da Unesc, Luciane Bisognin Ceretta, destaca o orgulho que tem do egresso e profissional Hugo. “Com certeza ele inspira e irá inspirar muitas pessoas por meio deste livro. Ele tem uma linda trajetória na nossa Universidade, sempre envolvido com diversas questões e trazendo o desejo de ajudar as pessoas. Hoje é um médico reconhecido que nos orgulha e que produz esta obra de presente para compartilhar sua história. Hugo deixou a sua marca e é uma inspiração para todos que seguem na Medicina”, pontua.
Alcançando mais pessoas
Além do atendimento no consultório ou hospitais, Hugo pretendia alcançar mais pessoas. Foi então que surgiu a ideia de lançar um livro, mais precisamente um devocional, o “Oncofé”, que ele lançou recentemente na Bienal do Livro do Rio de Janeiro.
“Eu queria ampliar a voz. Nós iremos chegar a 2050 com aproximadamente 40 milhões de pessoas com diagnóstico de câncer. Na minha história o que mais me matou não foi a doença, mas a palavra morte, então o devocional é uma palavra de esperança que auxilia as pessoas a olharem para si, a trazer o sabor para todos os dias que a vida nos dá de presente e que a doença possa não significar nada, mas que a sua presença em vida signifique tudo”, explica.
“O livro é uma oportunidade para alcançar o coração e a família de quem tem o diagnóstico de câncer. A doença simplesmente pode te acompanhar e fazer parte da sua vida, mas a sua história é a protagonista”, pontua o oncologista pediátrico.
“A doença simplesmente pode te acompanhar e fazer parte da sua vida, mas a sua história é a protagonista”
O médico é ainda o idealizador do Instituto Oliveira, uma organização sem fins lucrativos com sede em Joinville com o objetivo de proporcionar qualidade de vida às pessoas com câncer infantojuvenil. As ações desenvolvidas pelo instituto proporcionam o acolhimento e atendimento global a todos os membros da família do paciente portador da doença.