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Mestrando indígena da Unesc retorna à vida no campus após um ano de estudos apenas remotos

Fabiano Alves, da Comunidade Guarani Aldeia Tekoá Marangatu, seguiu firme na dedicação ao mestrado mesmo diante de grandes desafios no isolamento (Fotos: Marciano Bortolin/Décio Batista/Agecom/Unesc)

Há sonhos que podem ser realizados de maneira rápida. Outros exigem um pouco mais de tempo e dedicação. Mas o certo é que a maioria deles precisa de força de vontade e resiliência. Fabiano Alves, de 32 anos, formado em Pedagogia, sonhava em fazer mestrado. A vontade começou a se tornar realidade em 2021, justamente durante a pandemia, uma época em que o ensino à distância tomou o lugar do presencial. O estudante indígena precisou de doses extras de esforço e uma ajuda especial da Universidade para que pudesse seguir firme no propósito de estudos no mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA).

Fabiano, que é indígena da Comunidade Guarani Aldeia Tekoá Marangatu, de Imaruí, voltou ao campus nessa semana após um ano de estudos apenas remotos e constante contato virtual com a Universidade. Ao longo desses meses tudo era novo para o mestrando e, para completar, ainda surgia a necessidade do ensino online. “A Universidade disponibilizou o notebook e acesso à internet para eu não parar com os estudos. Com a pandemia e através da telinha, tudo era novidade para mim, mas consegui seguir estudando”, conta.

Na visita ao espaço da Universidade o estudante participou de diversas atividades, principalmente junto ao Núcleo de Estudos Étnico-raciais, Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi). “Esta volta é maravilhosa para mim. Estar aqui e poder presenciar, fazer parte desta instituição”, afirma.

Para a reitora Luciane Bisognin Ceretta, é uma alegria receber o mestrando e acompanhar de perto a evolução de sua trajetória no universo acadêmico. “Como representante de uma Universidade Comunitária e plural como a nossa Unesc me sinto privilegiada em receber o Fabiano em nosso campus. Fazemos questão de prestar o apoio necessário a ele, pois entendemos a dimensão da presença dele enquanto mestrando e a troca de conhecimento que ele nos proporciona”, fala.

Conhecimento multiplicado

Além da dedicação aos estudos, Fabiano se empenha também no outro lado da moeda, a face de professor. O aprendizado adquirido junto à Unesc, Fabiano, que está na fase de elaboração da dissertação, já repassa para as crianças da aldeia. “Atualmente trabalho como professor Bilíngue na aldeia. Escolhi o curso de Pedagogia para poder ensinar as crianças Guarani. O mestrado em Ciências Ambientais é para mostrar a importância da natureza e das terras para os povos indígenas. A Universidade abriu as portas para mim e está contribuindo ao repassar o conhecimento não indígena, o científico, e ao mesmo tempo eu contribuindo com o meu conhecimento para com a Instituição”, revela.

A orientação de Fabiano é feita pelo coordenador do PPGCA, Juliano Bitencourt Campos.

Primeiro indígena da história da Unesc

Fabiano Alves é o primeiro estudante indígena da história da Unesc e logo que ingressou no mestrado, passou a fazer parte do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas e Minorias (Neabi), de quem recebe todo o apoio para seguir com os estudos.
A coordenadora do núcleo, Normélia Ondina Lalau de Farias, conta que o Neabi, reativado em 2014, trata da pesquisa voltada aos estudos afro-brasileiro e indígenas. “Ele havia sido pensado anos antes por docentes e pessoas da área administrativa para tratar desta questão étnico-racial dentro da instituição. Ao contrário do que muita gente pensava, o Neabi teria somente pessoas negras, e este não é o objetivo. É um grupo de estudos que trata das relações étnico-raciais, enquanto realidade afro-brasileira e indígena e é composto por pessoas negras e não negras”, relata.

Ela explica que o Neabi é uma via de mão dupla, ou seja, promove a troca de conhecimentos entre os seus membros, como vem acontecendo com Fabiano. “Esta troca envolve não só a pesquisa de um modo geral, mas o conhecimento sobre a cultura do outro. Aprender como respeitá-la e, ao mesmo tempo, trazer isso para dentro da academia para que os nossos acadêmicos conheçam uma forma de cultura diferente. No Neabi, o Fabiano tem sido uma oportunidade muito rica de aprendermos. Infelizmente em virtude da pandemia não consegui visitar a aldeia ainda, mas fizemos diversas campanhas neste momento pandêmico junto com os estudantes, arrecadando alimentos, roupas e calçados”, destaca.

A professora Normélia salienta ainda o quão a Universidade é solidária e o quanto se envolve no auxílio a alunos como é o caso de Fabiano. “A reitora Luciane Ceretta é muito sensível a estas pautas e sempre fala que é solidária à luta dos negros e dos indígenas. Dentro desta sensibilidade, a Universidade, via Neabi, permite uma bolsa de 100% ao Fabiano para estar na instituição fazendo este mestrado. Para nós, além de ser uma grande conquista, é de suma importância, não só pela bolsa em si, mas porque temos um membro deste segmento étnico”, acrescenta.

Após a recepção ao mestrando, em 2021, os contatos passaram a ser a distância devido à pandemia. “Agora foi uma retomada porque ele esteve aqui em um primeiro momento e depois teve que pausar. Estamos aproveitando esta visita para fazer novas intervenções, outras conversas, colocando ele a par de projetos que temos para o Neabi”, acrescenta.

Envolvimento com a aldeia

Mais que receber o indígena no Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais, a Universidade também leva a sua contribuição à comunidade de Fabiano.

Isso ocorreu com a chegada da pandemia quando os índios foram impedidos de vender o artesanato, uma de suas fontes de renda. A solução foi criar uma loja online. Assim, por meio do Neabi, nasceu o “Tembiapo Porã”, um perfil no Instagram administrado e atualizado pelos próprios membros da aldeia.

O professor de Geografia e mestrando em Educação, integrante do Neabi, Douglas Vaz Franco, conta que uma comissão dentro do núcleo pensou em uma estratégia. “Nos reunimos com os indígenas, convidamos designers e pessoas com experiência em vendas online para fazer uma oficina, até que nasceu a loja. Por meio do Instagram, que eles mesmo administram e alimentam com os produtos e preços, conseguiram impulsionar a venda e chegar a um público maior, quebrando barreiras”, relata.

O mestrando lembra dos momentos vividos durante a pandemia. “Tem muitas famílias que dependem da venda do artesanato e com a pandemia dificultou a saída para vender e para que o visitante fosse até lá para comprar. Além da loja virtual, o professor João Batanolli, que é envolvido com a cultura indígena, além de outros professores, foram à aldeia buscar itens e trouxeram para o campus para vender”, recorda Fabiano.

O trabalho constante do Neabi

O Neabi possui 13 membros e está aberto para o ingresso daqueles que tiverem interesse. “O Núcleo está aberto para qualquer pessoa que queira participar, seja acadêmico, sejam pessoas do setor administrativo, professores. O Neabi também tem como finalidade trazer aquelas pessoas que se interessam pelas pautas que envolvam estes dois segmentos étnico-raciais, que se interessam pela pesquisa, que escrevem acerca disso. Temos ainda outros acadêmicos que fazem parte, alguns, inclusive, com trabalhos de maneira voluntária”, diz.

Se engana quem pensa que o Neabi atua somente em datas específicas. “O nosso trabalho é permanente, é o ano inteiro, até porque se trata de pesquisa. Tem gente que ainda confunde e diz que aparece somente nas datas comemorativas, mas não. As nossas ações vão para além disso e acontecem durante o ano inteiro”, pontua Normélia.

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