A vacinação contra a Covid-19 é um marco para a história mundial. O feito é comemorado em diversos países e reforça ainda mais o importante papel da pesquisa científica. No entanto, especialistas chamam a atenção para a falsa ideia de volta imediata à normalidade. O avanço no combate à pandemia é grande, mas a população deve ainda ficar atenta aos cuidados como uso de máscara, de álcool em gel e o distanciamento, inclusive quem já tomou a primeira dose da vacina (a eficácia dela se dá apenas após a segunda dose).
Para esclarecer melhor o assunto, a Agência de Comunicação da Unesc (Agecom) conversou com o professor doutor, pesquisador e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (PPGCS), Felipe Dal Pizzol. Graduado em Medicina, doutor em Ciências Biológicas, Dal Pizzol é presidente da Sociedade Catarinense de Terapia Intensiva, professor do curso de Medicina da Unesc.
Desde o início da pandemia, Dal Pizzol tem atuado na linha de frente do combate à Covid-19, liderando pesquisas com pacientes infectados pelo novo coronavírus. Ele fez parte do grupo de cientistas que elaborou as “Diretrizes para Diagnóstico e Tratamento da Covid-19” do Ministério da Saúde e é membro da Coalizão Covid Brasil, um grupo de profissionais que realiza pesquisas para avaliar a eficácia e segurança de medicamentos para pacientes com infecção pelo Sars-CoV-2.
Agência de Comunicação da Unesc – Após 11 meses do início da pandemia no Brasil, a primeira brasileira foi vacinada no dia 17 de janeiro. Qual o significado disso para a ciência?
Professor Felipe Dal Pizzol – A vacina é um marco, uma vitória da ciência e de todo o esforço da humanidade para tentar conter a pandemia. Do ponto de vista científico, a tecnologia nova de vacinas com RNA é muito importante, porque diferente das outras, se houver mutação no vírus, conseguimos mudar a vacina de maneira mais rápida para que possamos ter uma nova vacina para estas mutações.
Ter múltiplas vacinas por múltiplos mecanismos é muito importante para contermos a pandemia. Mas ainda estamos muito atrás do vírus, porque há toda questão de logística, de produção, de distribuição e de competição entre os países para compra. Claro que é um alento, mas possivelmente ainda tenhamos alguns meses a partir da primeira dose no Brasil para que possamos imunizar a ponto de dar uma aliviada no sistema de saúde.
Agecom – Como funciona a atuação do Instituto Butantan e da Fundação Oswaldo Cruz na produção da vacina? O Brasil importa ela pronta ou apenas o antígeno?
Dal Pizzol – Os dois institutos irão fazer as mesmas coisas. Em um primeiro momento, eles importam o princípio ativo da vacina (o produto biologicamente ativo para que o sistema imune reconheça) e fazem o envasamento delas. Mas nos contratos existe a possibilidade de transferência de tecnologia e há previsto que o Butantan e a Fiocuz poderão produzir os insumos, sem ficar na dependência da importação sempre. A transferência de tecnologia é super importante porque a gente vai começar a aprender a como fazer este tipo de vacina para ter a independência na produção.
Agecom – Além da Coronavac e da Oxford/Astrazeneca que vem de fora, há alguma que esteja sendo pesquisada no Brasil?
Dal Pizzol – No Brasil está sendo realizada parte do estudo da vacina da Janssen (empresas farmacêuticas da Johnson), inclusive no Hospital São José, em Criciúma (pesquisa em que Dal Pizzol participou). Tanto as duas aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para uso no Brasil (a de Oxford e a Coronavac) quanto as duas aprovadas nos Estados Unidos (a da Pfizer e a Moderna) envolvem negociação e interesse do governo e da empresa que seja comercializada aqui. A vacina da Janssen já acabou a fase de recrutamento de pacientes, com mais de 40 mil no mundo. Na última sexta-feira (29/1), a Johnson anunciou que a vacina teve 66% de eficácia em prevenir casos moderados e graves e 85% em casos graves. Com isso, eles já podem entrar com o pedido de uso emergencial na Anvisa.
Agecom – Como vai ser a ação das vacinas no organismo?
Dal Pizzol – Independentemente do tipo, elas atuam no organismo da mesma maneira. As vacinas expõem a proteína viral ao sistema imunológico que reconhece e monta respostas imunológicas, de anticorpo e de memória, quer seja do vírus inativo, do RNA (que depois é transformado em uma proteína) ou um adenovírus modificado que expresse a proteína do coronavírus.
Todas as vacinas são reconhecidas pelo organismo e vão montar uma resposta imune, em maior ou menor grau, dependendo do tipo de proteína, da dose e do reconhecimento delas pelo sistema imunológico. Por isso a variação de proteção que existe entre elas, mas até agora todas estão sendo eficazes para reduzir a infecção pelo Sars-COV-2.
Agecom – Quais os cuidados que as pessoas vacinadas devem tomar? Há risco de infecção por uma nova variante?
Dal Pizzol – Sempre há um risco de uma nova variante. Não sabemos exatamente o que é o Sar-COV-2, ele nunca existiu antes e não sabemos como vai se comportar. O vírus Influenza, por exemplo, tem mutações todos os anos e por isso a vacina deve mudar a cada ciclo de imunização. Se a vacinação atual vai extinguir o novo coronavírus como foi extinto o primeiro Sars-COV ou se ela só vai controlar a pandemia e vamos lidar com novas cepas que necessitem de novas vacinas, só o futuro irá dizer.
Agecom – Quais as orientações para a população atualmente?
Dal Pizzol – Os cuidados continuam os mesmos. Não vamos conseguir vacinar todas as pessoas em um curto período de tempo. A maioria das vacinas, com exceção da Janssen (ainda em estudo), precisa ser aplicada em duas doses, e por isso os pacientes não estão completamente protegidos após a primeira etapa da vacinação e podem contrair a doença entre uma dose e outra.
Fazer a primeira dose não deixa a pessoa imune. A segunda dose é importante e mesmo depois de fazer, o organismo precisa de um tempo para ter uma resposta imune. Não é no dia seguinte que ele está protegido. As vacinas que já estão sendo aplicadas devem demorar, após a fase 2, 15 dias para ter resposta imunológica mais adequada. Por isso é importante que as pessoas tenham cautela.
As vacinas não previnem a totalidade dos casos. O que temos visto é que as que estão em uso previnem 100% dos casos graves, em uma amostra dos estudos, o que não quer dizer que no mundo real vai funcionar desse jeito. Assim, se a pessoa não estiver protegida contra os casos leves, pode propagar a doença para outra pessoa, vacinada ou não. Por isso a importância de continuarmos mantendo os cuidados que a pandemia exige.