Vanessa Clarinda
“A presença dos intérpretes em sala de aula foi essencial para minha compreensão dos conteúdos acadêmicos e para minha participação ativa nas atividades e discussões”, enfatiza o graduado em Tecnólogo em Gestão de Recursos Humanos pela Unesc, Juliano Nunes Martins, que superou inúmeras barreiras ao longo da jornada acadêmica.
Em um cenário onde a educação ainda é um desafio significativo para a comunidade surda, o Setor de Apoio Multifuncional de Aprendizagem (Sama) da Unesc se destaca como um pilar de inclusão e acessibilidade. Ao oferecer serviços de intérpretes, o Setor promove ações para ampliar as políticas de inclusão, e assegura que a população surda tenha um espaço garantido na promoção do Ensino, Pesquisa, Extensão e Inovação.
“Nossa preocupação não é apenas com o acesso ao ensino superior, mas também criar estratégias e ações para que estas pessoas permaneçam na Universidade. Não é apenas incluí-las na Instituição, mas colaborar para que o mundo do trabalho também as acolha como profissionais qualificados”, afirma a pró-reitora de Ensino, Graziela Amboni.
De sala de recursos a pilar de inclusão
Na origem, o Sama surgiu como uma sala de recursos, e foi inaugurado em 19 de outubro de 2014. “O espaço foi introduzido na Universidade devido às políticas nacionais que asseguravam a educação inclusiva nas instituições de Educação Superior”, explica a coordenadora do setor, Zélia Medeiros Silveira.
“Além disso, paralelamente se identificou a necessidade de utilizar esse serviço como estratégia para garantir suporte aos estudantes com deficiência e transtornos do neurodesenvolvimento, na qual se ofertava serviços psicopedagógico e de intérpretes de Libras. Foi assim, que, no ano de 2016, passou a se constituir como Setor de Apoio Multifuncional de Aprendizagem ‘o Sama’” explica Zélia.
O Sama fornece atendimento psicopedagógico, serviço psicológico e tradução e interpretação em Libras. De acordo com Zélia, todos os serviços têm a responsabilidade de auxiliar acadêmicos com deficiências, transtornos ou dificuldades específicas nos processos de aprendizagem.
Serviços disponibilizados pelo Setor
O atendimento psicopedagógico visa aprimorar a formação profissional e humana dos estudantes, e melhorar o ensino e a aprendizagem nas disciplinas. “O serviço inclui sessões semanais conforme a necessidade de cada estudante e interação contínua com as famílias, professores e coordenadores para alinhar as ações”, informa Zélia.
Conforme a coordenadora, o serviço de psicologia proporcionado semanalmente apoia estudantes com demandas emocionais que afetam a aprendizagem, e promove qualidade de vida e inclusão social. Também orienta familiares, professores e coordenadores, e media conflitos no ambiente acadêmico.
Para congregar as atividades do setor, o serviço de Tradução e Interpretação em Libras atende estudantes surdos matriculados em cursos de graduação presencial e Educação a Distância (EaD), que inclui a janela de Libras. “Oferecemos também tradução e interpretação de vídeos institucionais e aulas, exibidos nos canais oficiais da Unesc e em telões no campus”, orienta Medeiros.
“Além disso, o Sama disponibiliza intérpretes em sala de aula, proporciona atividades extracurriculares como curso de português para surdos e o curso “X Libras” para ouvintes, ministrado pelos intérpretes do Sama”, acrescenta.
A importância da educação bilíngue
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a comunidade surda no Brasil representa 10 milhões de pessoas, sendo 2,7 milhões completamente surdas. Em Santa Catarina, são mais de 180 mil surdos, e na região de Criciúma, cerca de quatro mil.
Há 10 anos o Sama oferece serviços de intérpretes. Até 2024, a Universidade já formou 29 estudantes surdos. Atualmente, seis inaudíveis usam Libras na Unesc, e cerca de 10 possuem deficiências auditivas importantes, como usuários de aparelhos de surdez , implantes cocleares, e que fazem uso da leitura labial.
A Unesc também possui diálogos com a Associação dos Surdos de Criciúma, cuja presidente, Bianca Zacarias Nogueira Felisberto, é egressa da Universidade. Conforme a coordenadora, algumas atividades e eventos são realizados em parceria com a Associação, e reflete a política de educação inclusiva da Instituição.
Sucesso inclusivo
Como prova de que a educação pode e deve ser inclusiva para todos, o graduado em Tecnólogo em Gestão de Recursos Humanos na Unesc, Juliano Nunes Martins realizou na última terça-feira (22/07) a tão sonhada formatura. Surdo, Juliano recebeu apoio contínuo durante todo o processo de formação.
“Concluí meu curso com profunda gratidão pelo apoio constante dos intérpretes de Libras, desde o processo inicial de inscrição até a formatura”. Além da gratidão pelo trabalho dos intérpretes desenvolvidos pelo Sama, Juliano salienta a oportunidade de estudar em um ambiente que valoriza a inclusão e o suporte mútuo.
“Ao longo do curso, enfrentei diversos desafios, especialmente em trabalhos em grupo, mas sempre pude contar com a mediação dos intérpretes e a compreensão empática dos meus colegas. Isso não apenas facilitou minha colaboração nos projetos, mas também fortaleceu os laços dentro da comunidade acadêmica”, comenta.
X-Libras: promoção e difusão da Libras
O curso de Libras, ministrado pelos intérpretes do Sama, Suzana Nunes de Brida e Wanderson Chaves de Lima, é gratuito para colaboradores e estudantes da Instituição. No primeiro semestre de 2024, houve 2 turmas, com acadêmicos de diferentes cursos e diversas fases.
A intérprete Suzana Nunes de Brida, atua na Unesc há mais de sete anos, e iniciou a aprendizagem da Libras na própria Instituição. Atualmente leciona o curso de Libras “X-Libras” na Universidade. “A formação é continua e possui níveis básico, intermediário e avançado. No segundo semestre de 2024, foi ofertada uma turma de módulo II para os acadêmicos que concluíram no semestre anterior e foi aberta uma turma de nível básico para novos participantes”, esclarece Nunes.
Comprovado pelos números o curso tem grande procura, com turmas de até 30 estudantes. Zélia destaca que após a finalização, os concluintes recebem certificados de conclusão do curso de extensão em Libras. “Este curso possibilita uma comunicação melhor dos acadêmicos ouvintes com os estudantes surdos dentro e fora da sala de aula e promove inclusão e acessibilidade linguística. Além disso, as horas cursadas podem ser utilizadas para compor as atividades complementares exigidas pelos cursos de graduação, desde que tenham pelo menos 75% de frequência”, sublinha.
História de superação
Diagnosticado com surdez aos 6 meses, Rogério Fernando Momesso foi o primeiro surdo em uma família composta apenas por ouvintes. Natural de Paraná, após concluir o Ensino Médio aos 19 anos, começou Pedagogia em Londrina, mas precisou trancar o curso devido à falta de recursos e à ausência de intérprete.
Em 2015, ao se mudar para Criciúma, Rogério tentou obter uma bolsa na universidade local, mas foi impedido pela exigência de residência de cinco anos. “Após o período necessário, consegui a bolsa e iniciei Engenharia Química, mas troquei para o curso de Pedagogia da Unesc após um semestre devido às dificuldades com cálculos. Eu tenho um sonho de me tornar professor e, por isso, luto diariamente para aprender. Sofri muito na infância e não vou me acomodar”, afirma Rogério.
Ele enfatiza o apoio constante dos pais e da família e o impacto fundamental do intérprete Wanderson Lima. “A presença do intérprete é essencial para surdos em diversos aspectos da vida cotidiana, educacional, profissional e social. Com o intérprete, tenho acesso melhor à informação e comunicação, participo de discussões de forma mais ativa e me integro melhor ao ambiente educacional”, diz Rogério.
O acadêmico expressa gratidão e afirma que o acesso a intérpretes é um direito humano fundamental. “Intérpretes promovem a igualdade de oportunidades e permitem que surdos tenham as mesmas chances de sucesso que os ouvintes”, conclui emocionado.
Preparo para o mundo do trabalho
O intérprete e professor do curso de Libras da Unesc Wanderson Chaves de Lima, avalia que o mundo do trabalho para esses profissionais está em constante crescimento, impulsionado pela LEI Nº 14.704, DE 25 DE OUTUBRO DE 2023.
O projeto de lei 173/2024, sancionado pelo governador de Santa Catarina no mês de julho de 2024, torna obrigatória a oferta de Libras (Língua Brasileira de Sinais) como primeira língua para estudantes da comunidade surda na Rede Estadual de Ensino.
A Língua Portuguesa escrita será a segunda língua, e estabelece assim uma educação bilíngue para a comunidade surda. Segundo o Art. 60-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), alterada em 2021, entende-se por educação bilíngue de surdos, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida em Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua e em português escrito como segunda língua.
Essa modalidade de educação pode ser implementada em escolas bilíngues de surdos, classes bilíngues de surdos, escolas comuns ou em polos de educação bilíngue de surdos. Ela é destinada a educandos surdos, surdo-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação, ou com outras deficiências associadas, que optem pela modalidade de educação bilíngue de surdos.
“O tradutor e intérprete de Libras facilita a comunicação entre pessoas ouvintes e surdas e usa a Língua Brasileira de Sinais e o português. Esse profissional atua em vários contextos sociais como instituições educacionais, eventos, reuniões, consultas médicas e produções de mídia, e garante acessibilidade e inclusão. Além de traduzir em tempo real, ele transmite expressões faciais e nuances linguísticas”, salienta Chaves.
“Competências essenciais incluem proficiência em Libras e língua falada, conhecimento e sensibilidade cultural, habilidades de comunicação não verbal, agilidade comunicacional, ética profissional e atualização contínua”, acrescenta.