Até julho de 2022, Santa Catarina registrou 31 feminicídios, o que representa 4,4 por mês. Em 2021, foram 55 crimes deste tipo, ou seja, 4,5 mortes por mês. Números que assustam, mesmo sendo a violência contra a mulher um assunto amplamente debatido nos últimos anos.
Os dados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), foram expostos pela Desembargadora Salete da Silva Sommariva, durante a palestra “A Lei Maria da Pena e o enfrentamento da violência contra as mulheres no âmbito doméstico e familiar”, proferida na manhã desta sexta-feira (19/08), no Auditório Ruy Hülse, da Unesc, em ação promovida pelo curso de Direito da Universidade.
Mas ela não parou por aí: em 2021 foram 19,7 mil pedidos de medidas protetivas (54 por dia). Nos primeiros sete meses deste ano, são 12,9 mil novos pedidos (61,7 novos pedidos por dia). O mesmo período de 2022 registrou 3,2 mil novos processos criminais envolvendo violência doméstica e familiar contra as mulheres em Santa Catarina, ou seja, 15 novos processos ao dia, sendo que, atualmente, há 25,6 mil processos tramitando em solo catarinense.
Importância da continuidade do debate
A Desembargadora fez questão de apresentar os números para reforçar a importância da continuidade e ampliação do debate. “Estou desde 2014 na Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cevid), do Tribunal de Justiça e venho acompanhando o progresso e as circunstâncias apresentadas neste tempo de batalha. Naquele ano, as dificuldades eram imensas porque a violência contra a mulher era vista como uma perfumaria. Falo isso porque às vezes nós tentamos tratar o assunto, mas alguns falavam que esta questão de violência doméstica era de marido e mulher, que brigavam hoje e se acertavam amanhã, o que me deixava desanimada. Ainda havia um certo preconceito com a mulher que sofria violência”, destacou.
Como Universidade Comunitária, a Unesc levanta debates em torno de diversos temas, acompanhando a campanha nacional Agosto Lilás para levar a conscientização sobre a violência contra a mulher à sociedade. “É um tema pertinente para debatermos. Discutir assuntos como este é relevante para a área jurídica e para a sociedade, além de ser fundamental para promover transformações. É papel de uma instituição como a nossa, que é comunitária, trazer estas temáticas. A Salete sempre foi atuante nas causas em defesa da mulher. A ela o nosso agradecimento por estar aqui e nos permitir ouvi-la”, falou a coordenadora do curso de Direito da Unesc, Márcia Piazza.
A instituição tem, inclusive, uma cadeira no Conselho Municipal de Direitos das Mulheres de Criciúma, que é ocupada pela professora Mônica de Camargo. “O Agosto Lilás, mesmo sendo um mês de atenções especialmente voltadas à violência contra a mulher, muitas vezes não traz o assunto com profundidade. Saber das ações que o Tribunal de Justiça tem tomado neste sentido muito nos ajuda a compreender melhor esta dinâmica”, citou.
Problema histórico
Para explicar sobre a violência doméstica, a desembargadora Salete da Silva Sommariva faz um panorama histórico, voltando à colonização do Brasil, nos anos 1500. “Vivíamos até há pouco tempo em uma sociedade estruturalmente machista, mas isso não é culpa de um nem de outro, porque vem desde o início da colonização do Brasil pelos europeus que trouxeram consigo o conceito de que mulher era posse do homem. Assisti muitos atos de machismo e quem estava em volta não dizia e nem fazia nada. Em 1960 começaram os movimentos feministas, é claro com um viés diferente, mas as mulheres sinalizaram ‘nós estamos aqui’”, contou.
Lei Maria da Penha
A desembargadora seguiu traçando uma linha do tempo até chegar à Lei Maria da Penha, que entrou em vigor há 16 anos. “A lei trouxe avanços imensos e digo que ela é uma heroína porque, mesmo em um cadeira de rodas, passou a fazer palestras em todo o país e eu fico encantada com a vitalidade dela, porque mesmo naquelas condições, quer ajudar as mulheres do Brasil. O Agosto Lilás é uma comemoração do aniversário da lei, então, além de se colocar a cor lilás em muitos lugares, todas as instituições que trabalham para este fim fazem um esforço para que ela seja aplicada. Hoje as coisas mudaram, antes ficávamos restritos a empoderar as mulheres. Até então elas não sabiam ou tinham medo de saber que tinha poder de chegar onde quisessem. A lei foi útil porque elas se empoderam no sentido de denunciar. Então eu pergunto: será que o número de casos aumentou ou as mulheres estão denunciando mais? Porque antes elas tinham vergonha de denunciar. Antes, se denunciassem, elas iriam apanhar ao chegar em casa”, comentou.
Um país que ainda mata muitas mulheres
Outro dado apresentado durante a palestra é a quantidade de feminicídios ocorridos no Brasil. Conforme o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram 1,3 mil mortes de mulheres em 2021. “O país é o quinto que mais mata as suas mulheres, perdendo somente para alguns vizinhos da América do Sul, então a sociedade sentiu que havia algo errado e passou a tentar fazer alguma coisa. Não me atenho muito aos números como a diminuição de 15% nos casos desde a sanção da lei, pois temos mais coisas envolvidas: o primeiro, as mulheres se empoderaram para denunciar; segundo, a sociedade acordou, inclusive, tivemos uma colaboração enorme da mídia”, ressaltou.
Ainda com relação ao país, números da Agência Patrícia Galvão (14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020), 30 mulheres sofrem agressão física por hora e uma mulher é vítima de estupro a cada dez minutos.
Colaborador da causa, o promotor de justiça do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), Samuel Dal-Farra Naspolini, reconheceu a grandiosidade do evento. “É um tema difícil, a respeito do qual, para a nossa satisfação, os órgãos oficiais e a sociedade civil do nosso estado não têm se furtado do dever e da missão de, em primeiro lugar, debater. Não podemos fingir que este problema não nos afeta e o primeiro passo é conhecer o assunto, por isso a nossa satisfação em participar de ações como esta. Agradeço e enalteço a iniciativa da Unesc que, mais uma vez, cumpre o seu papel de Universidade Comunitária”, pontuou.
“Agradecemos a Unesc pela parceria e por proporcionar este momento com a presença da Doutora Salete, que para nós enquanto mulheres, é privilégio de, novamente ouvi-la com todos os ensinamentos e a forma que conduz este trabalho. Obrigado à Unesc por esta parceria no Conselho da Mulher. Sabemos que neste momento em que estamos vivendo as questões referentes à mulher precisamos parar e pensar. A fala da Doutora Salete irá contribuir muito para a nossa caminhada”, salientou a presidente do Conselho Municipal de Direitos das Mulheres de Criciúma, Maria Estela Costa da Silva.
Como denunciar
As vítimas de violência ou aquelas pessoas que sabem de uma mulher que sofre algum tipo de abuso, têm diversas formas de denunciar, entre eles está o 190, da Polícia Militar; o 3403-1717, da Delegacia de Proteção à Mulher de Criciúma; o 3431-2764, do Núcleo de Prevenção às Violências e Promoção à Saúde (Nuprevips) e o 3445-8925, do Centro Especializado de Referência de Assistência Social (Creas).