O estudo realizado pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) e pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) para avaliar a saúde mental da população, decorrente da pandemia da Covid-19, realizou na última semana mais uma importante etapa. Participantes da pesquisa pela universidade de Criciúma estiveram em Chapecó até a última sexta-feira (29/1) para realizar o treinamento da equipe da UFFS. O cronograma de atividades prevê ainda a realização de um piloto com coleta de amostras e entrevistas e a avaliação dos resultados para possíveis ajustes.
A coordenadora geral do projeto de pesquisa e professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (PPGCS) da Unesc, Gislaine Zilli Réus, conta que o aluno do doutorado em Ciências da Saúde da Unesc, Airam Barbosa de Moura e a biomédica Laura Araújo Borba, são os responsáveis por este treinamento. “Em Chapecó, o Airam e a Laura estão capacitando a equipe da UFFS na parte de coleta de dados e processamento de amostras para que tudo que fizemos aqui fique também igual lá. Os pesquisadores da UFFS já têm experiência prévia com pesquisa em humanos, mas nesse caso com a Covid-19 a parceria é conosco e queremos garantir que os protocolos fiquem iguais, já que se trata de um estudo multicêntrico”, explica.
A última semana, a pesquisa iniciou oficialmente a etapa 1 em Chapecó. Gislaine explica que neste momento o estudo envolverá pessoas que foram infectadas há até seis semanas pelo vírus Sars-CoV-2. Além disso, haverá a participação de casos controles, ou seja, indivíduos sem a doença.
Em Criciúma, a pesquisa está na fase final de coleta de dados da etapa 1. Ainda haverá as coletas das etapas 2 e 3 (6 meses e 1 ano após o paciente ter o diagnóstico de Covid-19, respectivamente). Até o momento, 225 voluntários participaram da pesquisa, que iniciará a sua segunda etapa no Sul catarinense no mês de março. Os dados de Criciúma já estão sendo tabulados e em março teremos os primeiros resultados. A conclusão total da pesquisa, em Criciúma, pretendemos para agosto, um ano após o início do estudo, revela Gislaine.
Entenda a pesquisa
O estudo aplica escalas para avaliação da presença de estresse, depressão, ansiedade, transtornos do sono e aspectos cognitivos. Além disso, é investigado perifericamente marcadores de dano neuronal, bem como de inflamação, dano mitocondrial e microbiota intestinal, os quais também se relacionam com inflamação. Esses marcadores serão correlacionados com a ocorrência de transtornos psiquiátricos.
Os participantes da pesquisa terão contato com profissionais das universidades que realizarão as entrevistas, aplicarão as escalas e coletarão o sangue (que servirá para análise da correlação do vírus com os transtornos mentais). Também haverá coleta de fezes para avaliar a microbiota intestinal e correlacionar os resultados com os transtornos psiquiátricos. “A ideia é usar várias escalas para avaliar pontos como depressão e ansiedade. A nossa hipótese é que o cenário da pandemia vai alterar de alguma maneira o cérebro, possivelmente a memória, o sono, o grau de ansiedade e estresse e até gerar depressão, não apenas em quem teve a doença”, afirma Gislaine.
Parceria para fazer mais
O estudo “Investigação de marcadores neuroinflamatórios e de dano neuronal e suas relações com transtornos neuropsiquiátricos em sujeitos positivos para Covid-19” foi contemplado pelo edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para incentivo ao desenvolvimento de ações de enfrentamento à pandemia. Enquadrado na linha de pesquisa carga da doença, além de Gislaine, o estudo tem a contribuição da professora doutora, pesquisadora e reitora da Unesc, Luciane Bisognin Ceretta.
Na UFFS, a equipe de pesquisa é liderada pela professora doutora Zuleide Maria Ignácio. Segundo ela, já neste início das atividades, o estudo está recebendo um apoio expressivo dos moradores de Chapecó, que estão espontaneamente se voluntariando para participar. As coletas são realizadas no campus e no Hospital Regional do Oeste, que por meio da parceria com a universidade, permite que os pesquisadores tenham acesso aos pacientes com Covid-19 que foram internados.
Em Chapecó, a estimativa do grupo de pesquisa é de fazer a coleta de dados e material de pelo menos 60 pessoas que tiveram diagnóstico de Covid-19 no período entre quatro a seis semanas e 100 pessoas que não foram infectadas pelo SARS-COV-2. “Não só as pessoas que contraíram o vírus podem ter danos à saúde mental. O contexto da pandemia trouxe medo, preocupação e isolamento, o que pode gerar um estresse bem grande nas pessoas e esse cenário também pode desencadear problemas”.
Segundo Zuleide, a pesquisa tem uma grande importância para a sociedade, uma vez que os seus resultados devem contribuir com profissionais de saúde e gestores da área, no planejamento e execução de ações. Além disso, os resultados desta pesquisa contribuirão de forma relevante para o avanço da ciência, no sentido de desvendar as ações do vírus e da Pandemia na saúde mental da população e possibilitar estudos sobre estratégias de intervenções terapêuticas. Para ela, o estudo é positivo também para a instituição e para os alunos e profissionais envolvidos. A professora salienta ainda os benefícios do trabalho conjunto para que a pesquisa possa ter proporções maiores.
Em ciência, a parceria é fundamental. Unidas, as instituições conseguem fazer mais e melhor e esta pesquisa é prova disso. É o resultado de várias frentes de trabalho com um objetivo em comum, salienta a professora da UFFS.
Protagonismo em ações de enfrentamento da pandemia no Sul
A reitora da Unesc, Luciane Bisognin Ceretta, que também integra a equipe do projeto, lembra que desde o início da pandemia, a Universidade esteve à frente e como parceira de diversas ações com foco no combate à pandemia. Segundo ela, este momento evidenciou ainda mais a importância da ciência para a humanidade e a Unesc, mais uma vez mostrou protagonismo ao desenvolver diversos estudos, como este em parceria com a UFFS.
Utilizamos a ciência em favor da vida e os resultados desta pesquisa serão valiosos para apoiar decisões nas políticas públicas e estabelecer novos alvos terapêuticos. Como reitora, estou orgulhosa de nossa Universidade, mas enquanto pesquisadora tenho plena certeza de que nosso grupo está produzindo ciência de excelência e contribuindo com a manutenção da vida, afirma a reitora da Unesc.
Ampliando o conhecimento
Para o aluno do doutorado em Ciências da Saúde da Unesc, Airam Barbosa de Moura, que está em Chapecó à frente do treinamento sobre protocolos de biossegurança, coletas, codificação de amostras, entrevistas, participar deste estudo multicêntrico está sendo uma grande experiência.
Moura é egresso do curso de Biomedicina da Unesc e conta que a pesquisa faz parte de seu doutorado e que esteve envolvido nela desde a sua concepção. “A pesquisa está sendo fantástica tanto para o meu enriquecimento profissional quanto pessoal. Estou aprendendo muito e conhecendo outros pesquisadores. Sou encantado pela pesquisa e estou muito realizado. Desde a graduação quis estudar virologia e agora estou tendo a oportunidade de juntar duas paixões em um só trabalho: a psiquiatria e o estudo de vírus”.
Participação internacional
Além da Unesc e da UFFS, a pesquisa tem a participação de instituições de outros países. A avaliação dos marcadores biológicos é realizada com a parceria da MCGill Univesity, de Montreal, no Canadá e The University of Texas Health Science Center at Houston, nos Estados Unidos. Já a análise dos dados, terá a participação da McMaster University, do Canadá.
Na Unesc, o estudo é desenvolvido no Laboratório de Psiquiatria Translacional por uma equipe multiprofissional, formada por estudantes e profissionais das áreas de Biomedicina, Enfermagem, Biologia, Psiquiatria e Psicologia, todos ligados aos PPGCS e ainda com contribuição dos participantes do Programa de Residência Multiprofissional da Universidade.
Na UFFS, a pesquisa é realizada com a participação de estudantes dos cursos de Medicina e Enfermagem e psicólogos, enfermeiros psiquiátricos, psiquiatras, farmacêuticos, bioquímicos e biólogos ligados à Instituição. A pesquisa conta com o apoio logístico na estrutura, tanto da Reitoria da UFFS quanto da Direção do Campus Chapecó. A UFFS conta ainda com a colaboração da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) e da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), que possuem professores de Psicologia e de Enfermagem na área de saúde mental na equipe do estudo.
A investigação científica foi contemplada pelo CNPq com recursos que incluíram bolsas de apoio técnico, de iniciação científica e de estudos. A pesquisa ainda foi contemplada pelo edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Santa Catarina (Fapesc) com duas bolsas de pós-doutorado.