Quais os efeitos da pandemia da Covid-19 na saúde mental das pessoas? O questionamento, feito por muitos, será respondido por uma pesquisa realizada pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), de Criciúma, em parceria com a UFFS (Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Chapecó. O estudo irá ocorrer em Criciúma e Chapecó e vai trabalhar tanto com pessoas que contraíram o Sars-CoV-2 quanto pessoas que não tiveram contato com o vírus. A primeira etapa do projeto tem previsão de início em 3 de setembro, quando pesquisadores da Unesc irão à campo para coletar amostras de sangue e realizar entrevistas.
O estudo “Investigação de marcadores neuroinflamatórios e de dano neuronal e suas relações com transtornos neuropsiquiátricos em sujeitos positivos para Covid-19” foi um dos projetos de pesquisa da Unesc para o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus e suas consequências contemplados pelo edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Em Santa Catarina, a Unesc é a única Universidade Comunitária com projetos de pesquisa aprovados (dois no total). Os outros quatro projetos pertencem à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC).
Enquadrado na linha de pesquisa carga da doença, o estudo tem como coordenadora geral a professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (PPGCS) da Unesc, Gislaine Zilli Réus. Na UFFS, a equipe será liderada pela professora doutora Zuleide Maria Ignácio.
Gislaine conta que a preparação para o início da saída dos pesquisadores a campo tem sido realizada há meses e que os últimos detalhes serão finalizados ao longo dos próximos dias, para que a partir da primeira semana de setembro, as atividades externas à Universidade iniciem.
“Nesse período temos articulado tudo entre as equipes de pesquisa e comprado os equipamentos de segurança. Neste momento, a psiquiatra que integra o grupo está treinando a equipe da Unesc para que possa ir à campo no dia 3 de setembro. A pesquisa vai iniciar por Criciúma, com um piloto de dois dias de coleta para uma avaliação inicial e possíveis ajustes. Em Chapecó ela iniciará um pouco depois. Será realizado um treinamento com os pesquisadores da UFFS e tanto aqui quanto lá, os padrões de investigação científica serão os mesmos. Já sabemos que vamos encontrar muitas respostas com este projeto e o que queremos é que ele seja o mais completo possível”, comenta.
Para a reitora da Unesc, Luciane Bisognin Ceretta, que também integra a equipe de pesquisadores do projeto, o estudo é mais um importante investimento da equipe a Unesc para utilizar a ciência em favor da vida. Os seus resultados serão de grande importância para apoiar decisões nas políticas públicas, bem como estabelecer novos alvos terapêuticos. Enquanto reitora estou orgulhosa de nossa universidade, mas enquanto pesquisadora estou convicta de que nosso grupo está produzindo ciência de excelência e contribuindo com a manutenção da vida. Isso tem muito valor e nos motiva a enfrentar estes tempos desafiadoras buscando respostas às questões que ainda não conhecemos relacionadas aos transtornos neuroquímicos provocados pelo vírus. Neste estudo teremos parceiros valiosos e agradecemos muito também a sensibilidade da Secretaria de Saúde de Criciúma, que se colocou como importante parceira neste estudo.
Como a pesquisa será feita
A professora da Unesc explica que a pesquisa será um caso-controle em que os casos serão pessoas sintomáticas e assintomáticas positivas para Covid-19 e os controles serão indivíduos negativos para o coronavírus. Para isso, serão aplicadas escalas para avaliação da presença de estresse, depressão, ansiedade e transtornos do sono. Além disso, será investigado perifericamente marcadores de dano neuronal, bem como de inflamação, dano mitocondrial e microbiota intestinal, os quais também se relacionam com inflamação. Será correlacionado esses marcadores com a ocorrência dos transtornos psiquiátricos.
O estudo será feito com pessoas doentes que foram diagnosticadas nas últimas seis semanas. Já as pessoas que farão parte do controle, serão testadas para o vírus (os testes serão feitos pela própria Universidade). Gislaine explica que os pesquisadores irão ligar e agendar as visitas na casa dos indivíduos diagnosticados como positivo para a Covid-19. Para a parte do controle, a pesquisa aceita voluntários – os interessados devem entrar em contato pelos telefones (48) 3431-2618 ou 99807-2526.
Os participantes da pesquisa receberão a visita de dois profissionais ligados à Unesc: psicólogo do Programa de Residência Multiprofissional ou psiquiatra do Laboratório de Psiquiatria Translacional, para realizar as entrevistas e aplicar as escalas e outro da área de Biomedicina ou Enfermagem para coletar o sangue, que servirá para análise da correlação do vírus com os transtornos mentais. Também haverá coleta de fezes para a avaliar a microbiota intestinal e correlacionar os resultados com os transtornos psiquiátricos. “A ideia é usar várias escalas para avaliar pontos como depressão e ansiedade. A nossa hipótese é que o cenário da pandemia vai alterar de alguma maneira o cérebro, possivelmente a memória, o sono, o grau de ansiedade e estresse e até gerar depressão, não apenas em quem teve a doença”, afirma Gislaine.
Segundo a professora, os resultados da pesquisa poderão trazer o entendimento de como o vírus afeta o sistema nervoso central, além de identificar a presença de transtornos que já são um problema de saúde pública. Além disso, as correlações entre os escores de transtornos e a expressão de marcadores biológicos serão relevantes, tanto para subsídio dos serviços de saúde, quanto para elencar novos estudos que apontem para possíveis tratamentos.
Pesquisa com participação internacional
Além da Unesc e da UFFS, a pesquisa científica terá participação de instituições de outros países. A avaliação dos marcadores biológicos terá a parceria da MCGill Univesity, de Montreal, no Canadá e The University of Texas Health Science Center at Houston, nos Estados Unidos. Já a análise dos dados, terá a participação da McMaster University, do Canadá.
Na Unesc, o estudo será desenvolvido no Laboratório de Psiquiatria Translacional da Unesc por uma equipe multiprofissional, formada por estudantes e profissionais das áreas de Biomedicina, Enfermagem, Biologia, Psiquiatria e Psicologia, todos ligados aos PPGCS e ainda com contribuição dos participantes do Programa de Residência Multiprofissional da Universidade.
A investigação científica foi contemplada pelo CNPq com recursos que incluíram bolsas de apoio técnico, de iniciação científica e de estudos. A pesquisa ainda foi contemplada pelo edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Santa Catarina (Fapesc) com duas bolsas de pós-doutorado.